E agora páro o carro e uma vastidão imensa de horizontes. A estrada são duas linhas infinitas a desaparecer na aridez ao longe. Saio para o ar quente parado e o mundo suspenso a toda a volta. Subitamente, no carro, o rádio enrouquece a voz de Lucinda Williams – “I am waiting for your essence”. E é aqui que eu quero ficar - com toda esta luz, todo este silêncio. Todo este céu.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Um imenso reflexo

- Agora vou mostrar-te o mar de que me falaste.
- Está bem.
- E esta é a varanda onde um dia nos descreveste.
- Eu sei, desenhei-a em cada palavra que escrevi.
- Não te lembras de aqui ter estado?
- Lembro-me. Mas não me recordo de a ter visto.
- Nem do mar?
- Não.
- Jura que é verdade?
- Juro.
- Vamos então agora olhar o mar.
- Sim.
- Ficamos de pé junto ao varandim, queres?
- Preciso apenas de te ter a meu lado, para te poder ouvir os silêncios.
- Olha então agora.
- Estou a olhar.
- Sentes o cheiro a maresia?
- Sim. Adoro-o.
- Eu também. Queres inspirar fundo?
- Sim, e sinto também o teu cheiro quando o mar se esquece.
- E ouves o rumor das águas?
- Ouço.
- Podíamos ficar agora um pouco em silêncio.
- Está bem.
- Queres agora ver o sol?
- Podemos olhar?
- Sim. Se reparares, ele está a chegar ao horizonte.
- Vejo o mar a explodir de cor.
- É o momento mais perfeito do dia.
- O dia foi tão perfeito.
- Sentes isso?
- Sim. E agora a noite vem aí.
- Vem ainda olhar o sol a tornar-se mar.
- Estou a olhar e a pensar muito.
- Diz-me.
- Os abraços foram inventados para este momento.
- Talvez.
- Juras que a noite vai ser perfeita?
- Juro.
- Como podes ter a certeza?
- Sempre o foram desde que nos conhecemos.
- Eu sei.
- Sentes esta brisa?
- Tinha-a sentido nos teus cabelos.
- Vem talvez do fim do mar, da queda súbita do sol.
- Nunca tinha pensado nisso.
- Não vês que é morna?
- Vejo. Sinto-a de novo nos teus cabelos.
- Exagerado.
- É verdade.
- Está bem. Mas agora vamos esperar pelas estrelas em silêncio.
- Estou calado.
- Já te disse que te adoro?
- Assim não estamos em silêncio. Mas tambem te adoro com outra palavra mas agora não é suposto falarmos.
- Tens razão.
- Está bem.
- Vês ao alto as primeiras estrelas a cintilar?
- Vejo-as. O céu é sempre assim tão belo antes de ser negro?
- É. Mas se não fosse, eu iria torná-lo sempre assim para ti.
- Prometes?
- Não é preciso, já o estou a fazer.
- Apetece-me sorrir.
- Vês agora aquela mais brilhante por cima do mar ao fundo?
- Vejo e quero que tu a vejas melhor.
- Sim.
- Notas que não cintila?
- Sim.
- É um planeta, talvez Vénus, reflecte a luz do sol que já não vemos.
- Achas que é Vénus?
- Tenho de ver melhor mas agora quero que seja.
- Vais oferecer-mo e dizer que o puseste lá para mim?
- Talvez, se me chamares exagerado.
- Nesta noite, não há lugar ao exagero.
- Está bem.
- Achas que se olharmos o céu podemos saber se vamos ser felizes?
- Não sei, talvez. Eu estou feliz.
- Por estares aqui?
- Sim. Contigo.
- Estás apaixonado por mim?
- Estou assustado.
- Assustado?
- Custa-me apenas pensar que nunca estive.
- Porque dizes isso?
- Pelo que sinto agora.
- E sentes-te apaixonado?
- Sim. Muito.
- Exagerado.
- Já tinhamos falado que hoje não.
- Eu sei, desculpa. Mas não sinto isso.
- Acho que tens medo de sentir.
- E tu, não tens?
- Tenho apenas medo das certezas que vêm de ti.
- Deixa-me sentir um pouco a noite.
- Está bem.
- Achas que também estou apaixonada?
- Só posso responder pelos teus olhos.
- E o que eles te dizem?
- O que os teus lábios irão ter também de dizer.
- Achas que ainda não disseram nada?
- Talvez um pouco. Lembro-me de um arrepio.
- Não quero agora corar.
- Ou de quando jantámos.
- Gostaste de jantar comigo?
- Se dissesse apenas que sim, estaria a ser injusto com todos os outros momentos, todos os segundos.
- Mesmo os cinemas, os cafés, as conversas longas, as provocações, os olhares lentos?
- Todos os segundos.
- Escolhes um momento para mim?
- Escolho.
- Para sempre como uma tatuagem?
- Sim.
- Diz-me.
- Lembro-me da alegria indizível de quando tivemos o fim do Tejo no olhar.
- Tenho-a agora aqui, sinto-a nesta humidade súbita.
- Queria explicar-te melhor, mas tenho de fechar os olhos.
- Eu sei. Vamos ficar assim.
- Está bem.
- Queres de novo olhar o mar?
- Sim.
- E vermos todas as estrelas e constelações?
- Sim.
- Abre então os olhos comigo, devagar.
- Estou a começar a ver as águas.
- Vês os brilhos nelas?
- Sim. É apenas o reflexo das estrelas, repara.
- Deixa-me olhar melhor.
- Está aí o céu todo, o mar é agora então um firmamento espelhado.
- Estás a falar verdade?
- Nunca te menti.
- Mas há ali um negro mais vísivel e profundo, consegues ver?
- Sim, estou a ver.
- Como quando é lua nova?
- Sim, mas falta ali uma estrela no reflexo do mar.
- E agora?
- Não sei. Talvez tenhamos de a colocar lá.
- Talvez. Fazias isso por mim?
- Fazia tudo por ti.
- Juras?
- Juro.
- E agora?
- Agora vou estender a minha mão até encontrar a tua.
- Sinto a tua pele suavemente na minha.
- É quente a tua mão, doce.
- Sentes o arrepio?
- Sim.
- E depois?
- Depois ficamos de mão dada a olhar as estrelas e o mar. Longamente.
- Já não falta nenhuma estrela?
- Agora, não. Olha comigo.
- Sim. Está um céu límpido e perfeito.
- Queres que nasça agora a lua?
- Muito.
- Vou fazê-la nascer cheia sobre as águas ao longe.
- Queria sentir-lhe o calor na minha face como quando pousas a tua mão.
- Está bem.
- Não tens medo que o mundo acabe agora?
- Não, sempre quis que acabasse assim.
- Junto de mim? Apaixonado?
- Sim. Junto a ti. Tudo o resto está no absoluto de estarmos de mão dada. Simplesmente.
- Nunca imaginei ser tão bom sentir a tua mão.
- E acreditas no que ela te diz?
- Começo a acreditar.
- Está bem.
- Achas mesmo que o mundo pode acabar?
- Não.
- Juras?
- Juro.
- Prometes-me então agora uma coisa que está prometida desde a eternidade?
- Sim.
- E que só o vais fazer para mim, agora e para sempre?
- Sim.
- E que nunca o fizeste antes?
- Sim.
- Prometes-me então que o mundo vai agora parar?
- Prometo.
- E que o universo vai mesmo ficar suspenso?
- Prometo.
- Dá-me mais um momento para sentir ainda a tua mão. E o teu olhar.
- Temos a vida toda.
- Apenas quero uma certeza. Agora.
- Diz.

- Ter agora a certeza absoluta, total, de que os teus lábios vão ser sempre, sempre apenas o reflexo dos meus.

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